Ronaldo Caiado
O Brasil tem sido, já há alguns anos, refém do corporativismo sindical. Em contraste com o colossal contingente de quase 12 milhões de desempregados, que não tem quem o defenda, os que se abrigam sob o guarda-chuva corporativo veem o país a partir do próprio umbigo – e reivindicam aumentos salariais como se a economia estivesse em plena normalidade. Mas está na UTI
Foto: Sidney Lins Jr.
Ninguém, em circunstâncias normais, é contra a reposição de perdas salariais. A crise atinge a todos: leva estados à falência, faz com que o país perca grau de investimento, fecha empresas e gera desemprego em escala jamais vista. Serão 14 milhões até o final do ano. Multiplique-se essa cifra por cinco – média das famílias brasileiras – e chegamos a 70 milhões de brasileiros sem ganha-pão.
Mesmo assim, o governo Temer decidiu ceder à pressão e conceder aumentos a diversas carreiras do serviço público. A Câmara dos Deputados não opôs resistência. Mas o Senado está determinado a ser a última bastilha em defesa do bom senso da economia e também da justiça social – pois é disso que, no fundo, se trata: optar pelos desvalidos.
Os aumentos – que montam a R$ 58 bilhões até 2019 – foram negociados ao tempo da presidente afastada Dilma Roussef, mas nem ela teve a audácia de encaminhá-los ao Congresso. Não é aceitável que o governo que a substituiu o faça e comprometa o processo de saneamento da economia. As despesas decorrentes dessa iniciativa, segundo se argumenta, já estavam embutidas no déficit do Orçamento de 2017, que é de estratosféricos R$ 170 bilhões.
Ora, o fato de haver autorização não legitima a despesa. A lei orçamentária brasileira é autorizativa e não impositiva. E o que está em pauta é decidir se vamos atender a uma massa de desprovidos de tudo – e, portanto, sem salário, sem aumento, sem meios de pressão – ou se atenderemos os que, mesmo com perdas salariais, detêm o patrimônio inigualável da estabilidade funcional.
O cobertor financeiro é curto; não dá para todos. Ou atendemos quem não tem nada ou os que já têm a sobrevivência garantida. Minha prioridade são os desempregados. Não têm lobistas ou recursos para vir a Brasília e pressionar fisicamente os parlamentares. E dependem da redução do déficit, premissa para que a economia se recupere e os empregos voltem. O argumento de que tais despesas já estão no déficit contribui apenas para perenizá-lo.
O único aumento admissível foi o dos servidores do Judiciário, que há nove anos estavam sem reposição. Além disso, há, no Orçamento daquele Poder, espaço fiscal para absorver a conta sem onerar o Tesouro. As demais carreiras não apresentam essa especificidade. Por isso, o Senado não deve contemplá-las.
O país pede sacrifícios a todos – e todos, de algum modo, estão a atendê-lo. Não é justo que o próprio Estado descumpra o que pede aos demais. Não é por outro motivo que o governo anterior está sendo submetido a um processo de impeachment: leviandade com as contas públicas. Não há justiça social sem verba.
A gastança arruinou o país e a expectativa é de que o governo Temer imponha outro paradigma, de austeridade, nos termos do que inicialmente projetou a equipe do ministro Henrique Meirelles. Não se pode relativizar tal compromisso, o que já ocorreu em relação às dívidas dos estados, premiando os maus gestores e penalizando os bons. Os aumentos, além do impacto direto nas contas da União, provocarão efeito cascata nos estados e municípios, agravando ainda mais a crise econômica. Nesse ritmo, o número de desempregados tende a aumentar e levar o país ao caos social.
*Ronaldo Ramos Caiado é Senador pelo Estado de Goiás e Médico ortopedista formado na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, é membro de uma família de produtores rurais e políticos de Goiás. É neto de Antônio Ramos Caiado. Notabilizou-se por presidir a União Democrática Ruralista de 1986 a 1989, entidade que visa defender a interesses dos produtores agrícolas, destacando a defesa da propriedade privada.