"Quilombo é ponto de resistência na Cidade Ocidental", diz a presidente da Associação Renovadora Quilombola do Mesquita Sandra Pereira, que luta por reconhecimento da comunidade, preservação do cerrado e cultura local
Segundo o dicionário de língua portuguesa, quilombo são todas as comunidades negras rurais que agrupem escravos fugidos ou libertados. O que a definição dos dicionários não descreve é a riqueza de cultura, e importância histórica que esses locais abrigam. Se Brasília não possui quilombos, bem próximo à Capital Federal, a 70 quilômetros, na Cidade Ocidental, está o Mesquita. O lugar foi fundado por três escravas e, baseado na fé católica, a primeira construção foi a Capela de Nossa Senhora de Abadia.
É no Quilombo Mesquita que Sandra Pereira vive. Nascida em Luziânia (GO), ela foi criada na comunidade e, por ser descendente das escravas daquela região, cresceu ouvindo histórias da resistência negra. Desde pequena sabe da importância do quilombo onde vive para a luta da aceitação dos negros. Hoje, Sandra é Presidente da Associação Renovadora Quilombola do Mesquita, associação essa que é responsável pelo reconhecimento pelo Ministério Público Federal do Quilombo Mesquita como território quilombola. “Sabe quando você sente que as coisas estão caminhando? É assim que me sinto quando percebo que ela existe”, diz Sandra, sobre a associação que ela mesma fundou. O grupo luta diariamente para incentivar os moradores da região a apoiarem a ideia e, claro, se aceitarem como quilombolas. “Nós somos a resistência a favor do quilombo, mas existe uma resistência contra tudo isso”, desabafa Sandra..
Portal de jornalismo IESB: Como você se deu conta de que onde vivia era uma comunidade quilombola?
-Sandra Pereira: Um dia fiquei sabendo de uma palestra que aconteceria na Fundação Cultural Palmares. A palestra falava sobre o que é um quilombo, e na hora eu travei: pensei tudo o que estão falando tem haver com o Mesquita. Ali eu percebi que as disposições de família e a forma como vivíamos tinham características de um quilombo.
-Como foi criar a Associação Renovadora Quilombola do Mesquita (Anequim) e qual a importância dela para você?
-Após constatar que vivíamos em um quilombo, eu sentei com a família e conversamos sobre o que fazer. Daí, decidimos criar algo que realmente nos representasse, que desse alguma voz jurídica. Óbvio que o processo não é simples têm muita burocracia, mas aconteceu. Acho que a associação tem uma importância além da jurídica, ela traz esse calor no peito. Sabe quando você sente que as coisas estão caminhando? È assim que me sinto quando percebo que ela existe.
- Qual a principal missão da associação?
-A gente está em busca da demarcação territorial para o quilombo, mas além disso estamos tentando preservar a mata, preservar a nossa cultura mesmo. A associação tem esse papel de ir atrás juridicamente dessas coisas.
-Como é a luta diária dentro da comunidade?
-Todos os dias temos que falar para os moradores dos benefícios de ser quilombola, do direito mesmo que eles têm por serem quilombolas. Muitos não querem se aceitar por medo, acham que vão perder a casa, o emprego, caso o território seja demarcado, mas não é bem assim.
-Porque eles não se aceitam?
-Nós somos a resistência a favor do quilombo, mas existe uma resistência contra tudo isso. Alguns fazendeiros lucram muito com essas terras e estão dispostos a tudo para não serem notificados pelo Incra e, claro, perderem as terras. Eles colocam medo nos moradores, dizem que os moradores perderão as casas e os empregos, já que muitos trabalham para a prefeitura da Cidade Ocidental e caso sejamos demarcados como quilombo a cidade não irá nos apoiar. Tudo isso deveria ser diferente, mas muitos acreditam nos fazendeiros.
-Você acredita que a luta tenha alguma interferência religiosa, já que a primeira construção na comunidade foi uma capela?
-Somos devotos da Nossa Senhora de Abadia. A comunidade foi fundada por três escravas, uma delas se chamava Maria Abadia. Isso já é outra prova de que a Nossa Santa está presente nessa comunidade. Acaba que essa missão não é minha ou sua, é divina.
-O que você acredita ser o maior diferencial da comunidade?
-Acho que o doce de marmelo, sem dúvidas é o maior diferencial. Ele foi reconhecido por várias entidades, já foi motivo de reportagem de vários jornais. A BBC de Londres esteve na comunidade em 2014 com três repórteres brasileiros, ingleses e nigerianos.
-Como surgiu essa história do Marmelo no Mesquita?
-O doce foi criado pelas três escravas e acabou seguindo como algo cultural, pais e filhos fazem o doce. Ele inclusive foi reconhecido internacionalmente, meu pai foi convidado para ir à Itália mostrar como era feito o doce.
-Como acha que as pessoas que não fazem parte da comunidade podem ajudar?
-Acho que essas pessoas podem nos visitar, isso já ajuda a comunidade a passar a ter uma importância cultural. Então nos visitem fiquem a vontade para falar para os amigos, familiares que existe uma comunidade quilombola na Cidade Ocidental.
Por Samuel Lucas
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